sexta-feira, 14 de janeiro de 2011

As disfuncionalidades urbanas das "Cidades Médias"

A propósito de uma investigação sobre mobilidade e transportes urbanos, peguei num livro que tinha comprado há algum tempo mas que nunca tinha chegado a abrir - ainda cheirava a novo. Comprei-o na altura por me parecer importante pelos conteúdos e pelos próprios autores - nunca se sabe quando se irá precisar de um livro sobre urbanismo.
Refiro-me à obra "Politicas Urbanas - tendências, estratégias e oportunidades", editada pela Fundação Calouste Gulbenkian e da autoria de Nuno Portas, Álvaro Domingues e João Cabral, entre outros colaboradores.
A partida de cartas - Fernand Léger
Estava eu simplesmente à procura de dados ou informações sobre mobilidade em cidades de morfologia urbana e social semelhantes a Leiria e acabei por me deparar com um resumo, por tópicos, das principais razões para a degradação, desorganização e disfuncionalidade que se pode assistir nas Cidades Médias (cidades como Évora, Faro, Guarda, Leiria, Castelo Branco, Viseu, Guimarães, entre muitas outras). Problemas esses que se traduzem em: descontinuidade urbana; desarticulação entre os vários espaços; problemas de mobilidade e congestionamento; descaracterização patrimonial, ambiental e social; falta de espaços públicos e privados de qualidade e de toda uma série de infra-estruturas urbanas dispostas em quantidades desadequadas e de forma pouco harmoniosa e equitativa; entre muitos outros fenómenos isolados ou combinados. É, no mínimo, auspicioso querer encontrar e resumir as causas para tudo isto, mas tendo em causa a reputação académica e profissional dos autores, poucos estariam em melhor posição para poder arriscar algumas explicações. Então decidi eu próprio arriscar e trazer aqui a tentativa do resumo e interpretação dessas mesmas palavras. Faço-o porque entendo  serem pertinentes as palavras dos autores e, mesmo que estas não sejam as derradeiras explicações, porque nos permitem reflectir sobre as possíveis causas do disfuncionalismo urbano que ainda hoje vivemos me Portugal.
Principais causas e razões que nas últimas décadas condicionaram negativamente a realidade urbana das cidades médias:
•    Aumento dos rendimentos e nível de vida que fez crescer o consumo e o aumento da aquisição e uso de veículos automóveis - aumento da motorização. Este aumento de tráfego originou e continua a contribuir para os congestionamentos rodoviários, especialmente em zonas onde as vias de comunicação e demais infra-estruturas urbanas não estão preparadas para o uso intensivo do automóvel - centros históricos por exemplo.
•    O aumento do investimento do Estado em infra-estruturas de serviços públicos (Saúde, Educação, Desporto, Cultura, etc.) que, aliado a baixas de taxa de juro, provocaram um crescimentos vertiginoso do sector imobiliário privado. Os serviços municipais não conseguiram responder a este crescimento súbito e explosivo, a desordem generalizou-se e as zonas de expansão urbana avançaram mais depressa que o ordenamento dos planos e do que a existência das infra-estruturas públicas e serviços públicos que as deveriam servir
•    Falta de articulação entre as Autarquias e o Estado na regulação das pressões expansivas do sector imobiliário que procurava ocupar cada vez maiores áreas, mesmo que sem infra-estruturas e sem atender aos impactos nos meios ambientais e urbanos.
•    Inicio tardio da aplicações das ferramentas de planeamento - por exemplo os PDMs - a um território já muito condicionado, desordenado e destruturado - quase caótico em alguns casos. Mesmo ao nível do traçado das novas vias de comunicação, devido às existências, criaram-se enormes dificuldades em dotar as zonas urbanas de mobilidade adequada e a custos sustentáveis.
•    A própria acção do Estado em construir as suas grandes infra-estruturas em solos baratos e periféricos, contribuindo ainda mais para a descontinuidade urbana e degradação das zonas já consolidadas.
As causas apontadas não surpreendem os mais despertos para os fenómenos associados às expansões urbanas das cidades portuguesas nas últimas décadas do século XX, mas mesmo sendo óbvias ainda hoje há quem as desconsidere a importância da regulação urbana e planeamento dos usos dos solos. As nossas ferramentas - se é que assim se podem chamar - de ordenamento do território e de planeamento urbano não estiveram à altura do crescimento económico e melhoria significativa da qualidade de vida que surgiram com o advento 3ª república - pós 25 de Abril -, foram incapazes de regular e controlar a pressão de crescimento e expansão urbana. No fundo crescemos quase sempre mal, crescemos de um modo insustentável e irreflectido sem ter em conta os efeitos e custos que isso teria no futuro. Hoje a factura chega-nos através da disfuncionalidade da grande parte das nossas cidades. Os custos para liquidar essa factura são agora incomparavelmente superiores ao que seriam se de inicio o planeamento tivesse sido uma realidade - pois é muito mais difícil desenhar algo quando a folha de base já está tão riscada e borratada. Penso não ser errado concluir que para crescer com sustentabilidade não basta liberdade e capital, é preciso também educação e responsabilidade - especialmente respeito e consideração pelo interesse público e pelo bem comum, seja lá o que isso for.

2 comentários:

  1. O texto nos leva a reflectir sobre algumas considerações ontológicas, para compreendermos a disfuncionalidade urbana.
    Em tudo é necessário educação e responsabilidade. Há que ter uma base de entendimento para se ter noção de que, o desenvolvimento de planeamento urbano deve ser planeada, discutida, e pôr em prática, analisando o ser humano e as suas relações com a natureza.
    A destruição ambiental por excesso de problemas, tais como: desregulamentação das infra-estruturas, ajudaram em muito para que hoje, estejamos a ponderar, debater e aplicar soluções que já ultrapassa exponencialmente a capacidade humana. A menos que, a promessa para solucionar não seja fomentar mais uma vez, a continuidade da destruição ambiental.

    Lumena Oliveira

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  2. Viva Micael

    Boa reflexão. A verdade é que quem se puser a pensar no que se vai passando à nossa volta - caso de Leiria, que é o que está mais à mão - fica com uma sensação esquisita, aquela de quem quer perceber o que se anda a fazer na nossa urbe e na teia infernal de meios rodovíários em que se anda a enlear toda a cintura da cidade, e fica-se com a ideia de que o ambiente e o património histórico é a última preocupação dos nossos governantes, nacionais e locais.

    E lugar para o homem, ao fim e ao cabo a razão justificativa de todas as intervenções urbanísticas e de infraestruturas que se constroem por aí, dá a impressão que é só para manter em funcionamento a economia, gota a gota, muitas gotas...

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