sexta-feira, 30 de julho de 2010

Gomorra - um exemplo de cinema anti-mitológico/heróico

Todos sabemos do poder do Cinema, da sua capacidade enquanto Arte para criar mitos e fazer elevar personalidades e instituições a um nível de quase adoração e idolatração. Ao longo dos seus mais de 100 anos de História, cinema moldou e formou no imaginário colectivo ideias nem sempre exactas e fidedignas de algumas personalidades e eventos. Algumas dessas e deles são efectivamente negativos e perniciosos mas a sétima arte tem conseguido, implícita ou explicitamente, revesti-los de um manto de glamour e beleza, capazes de despertar a simpatia e aprovação do público. Actos como a pirataria dos séculos XVII e XVIII despertam o nosso imaginário e fazem sonhar aqueles que simpatizam com o espírito aventureiro. Instituições como a Máfia cativam aqueles que de algum modo se sentem oprimidos com as regras e leis. Até grupos de criminosos, munidos de conhecimentos técnicos e ambiciosos planos de furto, assumem no Cinema contemporâneo o papel de Heróis
Tadeusz de Lempicka - Tamara de Lempicka
 Não digo que estas opções cinematográficas ficcionais sejam completamente negativas, pois advêm de um processo criativo e que não deve ser limitado. Mas ao mesmo tempo, quer se queria quer não, são valores e ideais que se vão transmitindo, podendo ser pérfidos se não devidamente analisados e explanados a quem assiste a este tipo de cinema sem o questionar de um ponto de vista ético. Isto poderia ser resolvido com pequenas notas no inicio ou fim do filme, uma pequena sugestão que aqui arrisco, por mais estapafúrdica que possa ser.
Mas esta minha generalização cinematográfica felizmente falha e tem as suas excepções se referirmos e tivermos em atenção algumas obras específicas. Por exemplo, o filme ‘Gomorra’ permite uma visão nada romântica da Máfia Napolitana. Se de algum modo poderíamos sentir simpatia pelo espírito rebelde e glamoroso das personagens cheias de estilo dos filmes da máfia “hollywoodesca”, sendo a série de filmes ‘O Padrinho’ um bom exemplo disso, em ‘Gomorra’ isso já não transparece, muito pelo contrário, ai os mafiosos são descritos como comuns criminosos, vivendo em ambientes nada simpáticos e completamente disfuncionais. Em 'Gomorra' os ambientes roçam o “real” e a violência crua. A acção não está organizada para que o enredo se desenvolva num fim apoteótico e perceptível. 
Não sei se realmente o ambiente “mafioso” é assim, mas pelo menos  esta versão de 'Gomorra' é muito mais credível. Até porque o filme se inspira num livro escrito por Roberto Saviano – um jornalista Italiano que criou a obra inspirado pelas investigações que fez sobre as pretensas actividades mafiosas da Camorra Napolitana.

2 comentários:

  1. A simplicidade aparente do assunto deste "post" esconde uma complexidade absolutamente notável.
    Analisar a arte segundo os padrões da ética ou da estética?
    Aristóteles considerava a arte como meio educacional, como meio de ensinamento valores, no entanto, para Nietzsche a arte deve responder a si mesma, não se deve reger por tais valores, a arte acima de tudo é perspectiva.
    Ainda não vi "Gomorra", mas achei magnífico "O Padrinho", achei-o magnífico porque não se limita a essa "realidade" aparente que seria ver-mos um mafioso segundo a perspectiva do seu inimigo, mas vê-lo pelos seus próprios olhos, a senti-lo, em suma, a vivê-lo.
    Mas eis que nos surge então uma nova pergunta:
    Que fazer, como interpretar então a arte?
    Bem, a resposta não é nada simples, depende de outras perguntas tais como, por exemplo, qual a nossa política. Devemos conduzir a nossa comunidade e manipular a arte a favor dos valores que achamos correctos, o ser humano não nasce ensinado, por isso é uma acção legítima, deixá-lo andar livremente pelos caminhos é perigoso! Ou devemos deixar a comunidade andar livremente, deixá-la decidir o seu destino e, deste modo, mostrar através da arte todas as possibilidades? É legítimo que achemos que o que mais importa é que sejamos livres de escolher o nosso destino, mas isso tem enormes perigos e se a vida de mafioso não fosse como Roberto Saviano a pinta e na verdade mais valesse ser um mafioso do que ser um homem comum tal como nos diz Don Corleone!?

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  2. Diria que notável é referir aqui as noções de arte de Aristóteles e Nietzsche, não poderiam ser mais correctas e apropriadas essas referências. É dessa dicotomia, dessa ambivalência, que resulta da produção artística que me surgiu a ideia de que, no inicio ou fim, seria apropriado introduzir notas explicativas do que se pensa ser factual e do que é pura ficção.

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