quarta-feira, 17 de junho de 2015

Quem reconstruiu o Castelo de Leiria?

Quem conhece o Castelo de Leiria tem presente a sua peculiar forma, pouco habitual em Portugal. O castelo, especialmente pelas suas arcadas góticas dos paços do castelo, viradas a sul para a cidade, é um miradouro único. Desse espaço “romântico” podemos ver toda a baixa, mas da torre de menagem vigia-se quase todo o concelho e outras terras além.
Ao contrário de muitos outros castelos que se encontram arruinados, o castelo de Leiria foi reconstruído. Diz-se que foi Ernesto Korrodi que o reconstruiu, mas isto não é bem verdade.
Korrodi elaborou, em 1898, um projecto de reconstrução do castelo de leiria, muito ao estilo de Viollet-le-duc, adotando um estilo histórico principal para orientar toda a intervenção, partindo das existências e indícios materiais, mas colmatando o remanescente com a sua imaginação e coerência de estilo adotado. Baseou-se na fase joanina, atribuída a D. João I e D. Duarte, o gótico tardio manifestado em parte no Mosteiro da Batalha. Ou seja, o castelo seria mais um paço residencial tardo gótico que uma fortaleza medieval da reconquista.
Essa proposta foi polémica, tanto pelo estilo principal adotado, pois ao castelo de Leiria localmente surgia sempre a menção a D. Dinis e Rainha Santa Isabel, como pela própria solução de reconstrução integral. Já nessa época, Camillo Boito e outros pensadores do património, condenavam esse tipo de solução, considerando-a destrutiva. Para eles, a opção correta seria a preservação das existências e não a reconstrução e seus perigos de desvirtuamento original.
Contudo, a partir de 1915, o castelo, através de pressões cívicas e políticas locais, principalmente através da Liga de Amigos do Castelo de Leiria, dirigida por Korrodi, o castelo começa a ser intervencionado. Surgiram polémicas entre as entidades e responsáveis envolvidos, mas a partir de 1921 as obras são novamente retomadas, já sobre direção indiscutível de Korrodi.
Até 1933, ano em que Korrodi foi afastado do projeto, o castelo foi sendo reparado e estabilizado, garantindo a sua preservação. Korrodi, já nessa altura, não seguia pelos princípios da reconstrução integral. Dos conhecidos 8 arcos existentes nos paços do castelo, apenas reconstruiu 3. Reabilitou e refez apenas algumas partes, mantendo-se o castelo quase como uma ruina romântica, tirando um ou outro caso (torre de menagem e casa do guarda).
Interpretação da reconstrução do castelo de Leiria por Korrodi
Ou seja, a grande reconstrução, com o traçado mais militar, surge depois do afastamento de Korrodi. Foram imensas as intervenções posteriores no castelo. Reconstruíram-se os pisos superiores dos paços do castelo, demoliram-se alterações feitas por Korrodi na Torre de Menagem e Igreja da Pena. Refizeram-se extensas partes das muralhas, torres e barbacãs. Adotaram-se os merlões (ou ameias) retangulares, embora existam vestígios de terem sido piramidais, de inspiração moçárabe. Refizeram-se acessos e ouros “melhoramentos”, tudo isto em plena ditadura do Estado Novo, com a Direcção Geral dos Edifícios e Monumentos Nacionais (DGEMN) a concretizar a visão ideológica oficial de fundação nacional militarista e austera, ainda que seguindo parcialmente e nada inovando para além dos projetos iniciais de korrodi.
Recorreu-se imenso a betão, tanto para ligar alvenaria de pedra, como o betão armado estrutural para garantir a estabilidade dos elementos mais antigos. Essas intervenções estão disfarçadas e ocultas.
Assim, a reconstrução do Castelo de Leiria deve-se bastante a korrodi, mas a maioria e maior volume de trabalhos foram realizados posteriormente pela DGEMN em pleno Estado Novo.

Ver estudo do autor: Breve Introdução à História do Vandalismo do Castelo de Leiria
Referências bibliográficas
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CARVALHO, Vânia; INÁCIO, Isabel - O projecto de investigação arqueológica do Núcleo do Castelo de Leiria: enquadramento, objectivos e resultados. “Revista da Associação dos Arqueólogos Portugueses”. Lisboa: Associação dos Arqueólogos Portugueses, 2013.
COSTA, Lucília Verdelho da – Ernesto Korrodi – 1889-1994 Arquitetura, ensino e restauro do património. Lisboa: Editorial Estampa, 1997.
ESTRELA, Jorge – Korrodi e o restauro do Castelo de Leiria. Leiria: Fundação Mário Soares, 2009.
GOMES, Saul António – Introdução à história do castelo de Leiria. 2ª edição revista e ampliada. Leiria: Câmara Municipal de Leiria, 2004.
GOMES, Saul António – Materiais na região de Leiria em tempos medievais. “História da construção. CITCEM – Centro de Investigação Transdisciplinar “Cultura, Espaço e Memória” & LAMOP - LAMOP – Laboratoire de Médiévistique Occidentale de Paris, 2012.
KORRODI, Ernesto – Estudos sobre a reconstrução do Castelo de Leiria. Reedição do caderno de 1898. Leiria, Imagens & Letras, 2009.
MENDONÇA, Isabel & MATIAS, Cecília - Castelo de Leiria. DGMEN - Direcção-geral dos Edifícios e Monumentos Nacionais, 1991-2000.
MENDONÇA, Isabel & MATIAS, Cecília - Castelo de Leiria / Castelo e cerca urbana de Leiria. SIPA - Sistema de Informação para o património. Actualizado em 2010. Consultado em 6 de Junhos de 2015, disponível em:
http://www.monumentos.pt/Site/APP_PagesUser/SIPA.aspx?id=3312
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SILVA, José Custódio Vieira da Silva – Leiria – 450 anos da Diocese e Cidade. Conferências das Comemorações 1545-1995. Leiria, Arquivo Distrital de Leiria, 1996.
[S.N.] – Couseiro ou Memórias do Bispado de Leiria. 4ª edição ou transcrição da 2ª Edição de 1898. Leiria, Textiverso, 2011.
TOMÉ, Miguel – Património e Restauro em Portugal. Porto: Faculdade de Arquitetura da Universidade do Porto – FAUP, 2002.
ZÚQUETE, Afonso – Monografia de Leiria – A Cidade e o Concelho – 1950. 2ªEdição. Leiria: Folheto Edições & Design, 2013.

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