terça-feira, 9 de dezembro de 2014

Introdução à morfologia da cidade islâmica – Religião e demais influências na criação da cidade privada

No versículo 4 do capítulo XLIX do Corão podemos ler o ensinamento: “O interior da tua casa é um santuário”. Esta passagem explica o porquê das formas diferentes e particulares da cidade islâmica tradicional. O urbanismo orgânico e sem plano destas cidades caracteriza-se pelas ruas estreitas, tortuosas, com quebras visuais de continuidade, cheias de cotovelos e becos sem saída. As fachadas das habitações são minimizadas, austeras e, por vezes, quase inexistentes. Não são raras as vezes em que existe apenas uma porta, ou um portão, forte e resistente. Existem muitas passagens inferiores, zonas menos iluminadas e edifícios que crescem nos pisos superiores cobrindo as ruas. As ruas são, em muitos casos, apenas corredores utilizados para deslocações entre um ponto e outro, sem a vida e arquitetura de cariz público das restantes cidades. Os espaços realmente públicos são diminutos, especialmente os mais amplos. Mesmo o bazar situava-se numa das portas das cidades, na sua envolvência e não numa praça como as cidades de influência greco-romana. Somente na mesquita se situam os grandes pátios amplos.
 
Mulheres no Casbah de Argel - Marie Berton-Maire
São várias as razões para estas características. Primeiro que tudo será a influência religiosa. Evita-se a ostentação exterior, pois todos serão iguais perante Alá. A ostentação, riqueza e vida volta-se para o interior das habitações. É nos pátios que o edifício recebe a luz que combate a insalubridade. É ai que se vive em sociedade, na privacidade de cada lar que é sagrado. É ai que florescem as magníficas decorações e crescem os jardins interiores de influência iraniana. As próprias ruas criam a sensação de privacidade e segurança dos olhares indiscretos, sempre reforçada pelas casas-fortaleza e suas austeridades externas.

Dança de Harem - Giulio Rosati
O facto da expansão dos primeiros impérios islâmicos ter sido tão grande e avassaladora criou um choque de culturas, apesar da grande capacidade adaptativa dos primeiros islamitas. Na prática tratou-se de uma cultura não urbana que ocupou grandes metrópoles urbanas, próprias do mediterrâneo e médio-oriente. Foi a partir dai que o islão se foi urbanizando segundo a sua cultura própria, sobre a ruina das conquistas. Dai a falta de planos e o urbanismo orgânico das cidades islâmicas. Não podemos esquecer que o avanço do islão beneficiou do conflito e desgaste entre Império Bizantino e Persas Sassânidas, enfraquecidos pela guerra constate, tendo ocupado os seus territórios, caracterizados por contarem zonas altamente urbanizadas.
Por fim, o efeito do clima. É evidente a utilização de uma estrutura urbana própria de climas tórridos, onde importa, acima de tudo, garantir sombras e zonas de descanso.

Haveria muito mais a dizer, mas fica uma primeira introdução que pretende dar alguma luz sobre o modo como se definiram as cidades islâmicas e a sua influência nas restantes cidades por onde essa civilização passou (o caso de Portugal por exemplo).
 
Referências bibliográficas:
Goitia, Fernando Chueca; "Breve História do urbanismo", Editorial Presença, Lda., Lisboa, 1989.
Keegan, John; "Uma história da Guerra", Tinta da China, 2009
Mumford, Lewis; "A Cidade na História", Martins Fontes, S. Paulo, 1998

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